Filosofia: A ética definida pela cultura

Filosofia: A ética definida pela cultura

Numa determinada cidade, num determinado país muito distante deste, existe uma rua, na qual, na calçada existe uma caixa de jornais. Não está trancada, apenas encostada, e do lado uma caixinha onde depositar uma moeda. Qualquer um pode abrir a caixa, pegar o jornal e depois depositar uma moeda como pagamento. Não há nada que impeça um indivíduo de abrir a caixa, pegar um, ou todos os jornais, e não pagar por nenhum deles, mesmo assim, não é o que acontece. Todos os cidadãos respeitam a prática.

Não é necessário que eu te diga que essa realidade está muito distante da nossa. Você está cansado de questionar essa forma de pensar em todas as mídias sociais que pode, mas nesse momento, eu quero que pare para pensar comigo, e identifique comigo a razão desse efeito.

A pessoa que não abre a caixa para roubar os jornais, ela respeita a regra e não intencionalmente. É algo tão enraizado na cultura, que nem mesmo vem a sua mente o motivo pelo qual ela poderia querer levar um jornal e não pagar. Não faz sentido que isso ocorra, e estando no Brasil, agindo com essa mesma cultura, ela seria considerada por nós como ingênua, mesmo por aqueles de nós que jamais faríamos aquilo.

Eu quero que você pense comigo, tente entender por quê. Por que não pensamos como essa pessoa? Por que é que nós, vendo uma caixa de jornais destrancadas, levaríamos no mínimo cinco ou seis, e depois diríamos para nós mesmos “a culpa é do idiota que não trancou a caixa”?

Por que, as canetas que usamos nos bancos para preencher envelopes são acorrentadas à mesa, por quê vamos à feira atrás de CD's piratas, pedimos caronas ao motorista do ônibus, saímos de casa sem todos os documentos que precisamos para resolver os problemas, com o intuito de dar uma de “João-sem-braço”?

Será que a nossa cultura de “malandragem” vem nos perseguindo tanto tempo assim, que não conseguimos mais resistir à uma oportunidade, seja ela qual for?

Se vocês pararem para pensar, vocês vão concordar que a ética é um consentimento público. Você faz aquilo que é esperado que se faça, algo que é difundido em uma cultura como forma natural de ação. Nós sabemos na nossa moral que é errado, mas na nossa ética, quando vemos uma caixa de jornais destrancada, nós nos damos ao direito de pegar os jornais, por que se não tiveram o cuidado de fechar a caixa, não podem reclamar que os jornais tenham sido levados.

Será que não é essa a nossa ética? Se você parar para pensar, na prática, isso não altera de fato a nossa visão do que é certo e do que é errado? Pense comigo, na prática, não somos como nós sabemos que deveríamos ser, mas nós consideramos isso normal, temos facilidade para encontrar justificativas para isso. Alguns de nós até se gabam por serem mais esperto do que os outros. Nós chegamos a penalizar quem não é esperto o suficiente chamando-o de otário, para justificar que sofra injustiças.

É preciso reconhecer que o certo e o errado são valores móveis. A cada cultura, em cada ponto do tempo esses valores mudam. Muito do que fazemos hoje era feito exatamente igual no Império Romano, em questões de política, de tentativas de ganhar mais com menos, mas naquela época, nada disso era tão criminalizado como é hoje, por que não tinha a influência da moralidade católica. Será que não está na hora de reconhecermos que é assim que somos, e nos amar a nós mesmos?

É preciso que decidamos isso. Se somos assim, e não há como mudar, se faz parte da nossa natureza, então temos que achar uma forma de nos orgulharmos de quem somos, e de nos amarmos a nós mesmos, como possível.

Do contrário, precisamos acreditar que essas práticas vem de algum lugar, entender como elas nos influenciam, por que acontecem, e resistir de forma técnica, não apenas julgando, mas entendendo, ensinando, se permitindo aprender e se deixar convencer. Afinal se você acredita que há esperança, tem de acreditar que a mudança é possível, e se alguém pode mudar, então a maldade não deve estar em sua natureza, concorda?

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